felizes
Sei que o mundo lá fora está pelas ruas da amargura. Mas isso não me deve impedir de apreciar as coisas boas da vida. Haverá sempre pobres, haverá sempre guerras, haverá sempre doenças e, particularmente quando sabemos e sentimos, como nunca, que vivemos numa aldeia global, não há nada que aconteça que, de alguma maneira, não nos diga respeito, seja aqui ou nos antípodas.
Mas ninguém ganha absolutamente nada quando deixamos de apreciar o que a vida tem de bom. Ninguém. Servirá para consolar as nossas consciências, para atestar a nossa incapacidade, servirá para que os outros saibam que, afinal, não somos assim tão felizes porque nos preocupamos com os pobres e miseráveis, mas na verdade, ninguém ganha.
Volta e meia fazemos nós a homilia da missa de Natal. Estamos lá todos, em peso, bem vestidinhos e arranjinhos para celebrarmos juntos um ano que, particularmente por volta daquela altura, pesa e de que maneira. Normalmente, alguns estiveram até poucas horas antes em reuniões de avaliação, debruçados sobre as notas dos alunos, tentando reunir consensos para que se alcançar o máximo de justiça possível. Aquela eucaristia de Natal é, por isso, para quase todos, o primeiro respiro em condições depois de um período que é longo e imensamente trabalhoso. Na minha opinião, naquela missa, deveríamos dar graças porque efetivamente a sensação dominante - para além da de cansaço - é de gratidão. Chegamos ali, juntos, depois de batalharmos, de nos termos ajudado, de nos termos superado, preparados para nos divertirmos juntos e, logo a seguir, metermo-nos de cabeça na preparação do nosso Natal com os nossos. Mas não há homilia – feita quase sempre por um de nós - que em vez de dar graças, se debruça pela miséria do resto do mundo.
Acabei de chegar de casa da minha filha mais velha. Que foi mãe na semana passada. Estivemos lá quase todos – uma das minhas filhas está na Irlanda e não conseguiu ir – apenas para estarmos lá quase todos. Almoçamos juntos, tiramos fotos, rimos e conversamos, aproveitando ao máximo uma oportunidade que é cada vez mais difícil de conseguir: estarmos todos – ou quase - juntos. Para mim, não há melhor motivo de dar Graças. E dou, efetivamente. Até porque penso e sinto muitas vezes que apenas nasci para aqueles momentos, para estar num canto a testemunhar a alegria genuína dos meus quando estamos todos - ou quase todos - juntos. Sim, depois vai cada um à sua vida, travar as suas próprias batalhas, tentar viver o melhor que pode, sendo feliz e fazendo os outros felizes, mergulhados no mundo e na sua realidade, contribuindo, cada um à sua medida, para a transformar em algo mais plausível com o Reino de Deus que todos nós procuramos. Mas enquanto estamos ali, estamos ali. Parece uma palissada, mas é absolutamente fundamental: estamos ali. Estamos juntos, a sermos nós, simplesmente a sermos nós, enquanto podemos ser nós, felizes apenas porque estamos juntos. E sem vergonha ou culpa de sermos felizes porque estamos juntos.
Nós temos de saber estar alegres e felizes, sem vergonha ou culpa por estarmos alegres e felizes. Claro que não podemos armar uma tenda no cimo do monte e alhearmo-nos da realidade apenas porque, naquele momento, nos sentimos bem. Claro que não podemos olhar apenas para o nosso umbigo, claro que não podemos deixar de olhar ao que se passa à nossa volta nem deixar de agir para transformar o que está à nossa volta. Mas não podemos deixar de dar Graças. Não podemos impedir de nos deixarmos olhar por um Pai que nos ama e que cuida de nós. Porque ambas as coisas estão ligadas. Sentimo-nos felizes, damos Graças, porque nos sentimos amados, porque nos sentimos cuidados.
E se não nos permitimos ser felizes, o que teremos nós para dar ao mundo?

