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Sou assinante de dois jornais - um diário e um semanário - e um podcast. Pago por eles porque acredito neles e preciso de ler notícias vindas de quem acredito. E porque vivemos num tempo em que é preciso pagar pela verdade. Ainda que seja a verdade possível. E quando não se paga, desconfio. Há um velho ditado nos utilizadores da informática que é cada vez mais atual: se não percebes qual é o negócio é porque o negócio és tu. E sim, somos cada vez mais o negócio. E há uma vertente em ser o negócio que me assusta verdadeiramente. Não é venderem os meus dados, que isso hoje em dia é inevitável. A minha sogra não tem internet, tem horror à internet, e é mais invadida por publicidade, muitas vezes enganosa, que eu, que todos os dias ando por cá - e por isso tenho mais defesas que ela. Não é por aí que tenho medo. Mas porque me dão o que pensam que eu quero receber. E isso é muito perigoso.
Eu sou portista. Diriam alguns até que sou um portista ferrenho. Sê-lo-ei. Com orgulho. Como qualquer adepto de futebol o é, ou deve ser, com orgulho. No entanto, desde sempre, que quando quero ler qualquer coisa sobre o FCP não procuro o jornal O Jogo mas A Bola, que é a nossa arqui-inimiga. Porque não preciso que me digam bem do FCP - que isso eu faço muito bem, muito obrigado - mas justamente que me ajudem a ver o que eu, sozinho, eventualmente por cegueira clubística, não consigo ver. Ou seja, preciso de contrariar, racionalmente, o que emocionalmente me condiciona.
Este é o grande perigo da internet, hoje. Porque ninguém está interessado na minha racionalidade, mas em me embrulhar como se embrulha o peixe no mercado do Bolhão: prontinho para se consumir. E eu detesto que me embrulhem.
Começo todos os meus dias com uma passagem pelas notícias dos jornais que assino e dos muitos blogues que leio. Nuns e noutros tenho o hábito de guardar os artigos que degostarei mais tarde, aqueles que me dão que pensar, que sublinho, aponto as ideias mais interessantes e servem muitas vezes de plataforma para pensamentos mais profundos e até escritos que me levam mais longe. O problema é que guardo cada vez menos artigos dos jornais que assino. E isso é revelador. Por um lado, da sua falta de novidade. Por outro lado, de uma certa escolha em enveredar pelos ares do tempo. E se eu quisesse os ares do tempo não precisaria de pagar pelos jornais, bastar-me-ia ir à internet. Sinto a falta da opinião refletida, da investigação profunda, da contra a corrente que me ajuda a ver o que alguém quer que permaneça escondido. E a verdade é que ninguém ganha. Não ganho eu, que não cresço, não ganham os jornais, que perdem relevância, não ganhamos todos porque somos cada vez mais conduzidos como carneiros de um rebanho sem pastor.
E isso preocupa-me bastante.

